29.08.08 - PUC SP palestra Filosonia 0.2

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Fala-se por tédio e vaidade. Há muito desistimos da verdade por nos enfadar, mas não da beleza que nos alimenta a vaidade.

A música é anterior ao som como a dança precede a fala. O som é a sublimação dos corpos em energia através do ar do mesmo modo que a luz é a sublimação dos campos eletromagnéticos através das cores em música.

O rádio é uma substância eletromagnética implacável que avança irresistivelmente em todas as direções nas dimensões sonoras contra a qual toda resistência é inútil, logo artística. Seu uso pelas corporações humanas difusoras de informação, de maneira semelhante, submerge-nos na quantidade sempre maior de produção cultural pela reprodutibilidade técnica, sem se importar com os limiares de cognição singular, de modo que a música se torna o desdobramento fractal do ruído, ruído entre ruídos.

A rádio foi o pequeno riacho que moveu a compreensão musicante geométrica pré-industrial renascentista para a caosmose digital analógica por entre as margens das interfaces maquínicas (incluindo as abstratas) modernizantes que formam o contemporâneo limiar bauhaus-barroco (minimalismo-maximalismo).

De seus entrechoques surgiram os dispositivos de controles que moldaram as harmonias contextuais da acusfera tecnocrática no século XX, o fetiche musical desde a tomada pela voz (Hitler radialista) até a captura pop plena das paradas, acompanhada paralelamente pela resistência bélica à beleza pelos experimentadores limítrofes do som em suas buscas por novos modos aurais, como o walkman em sua tecnologia de guerra de gestação campos de batalhas subjetivas e corporais.

Outras cristalizações de transcópia, multifragmentação até, em última instância, a plena logaritmização do som da música, fizeram com que tal riacho espectral tornasse-se caudaloso e preenchesse de significados toda a gama coloral do mar do cinema(kýnema), ao mesmo tempo que, a escuta narcísica se prostasse diante deste como um lago de águas sujas paradas em estilos buscando por si mesma.

Se, no mito romântico da música ocidental, escutávamos música por entrega aos paradoxos entre razões e paixões, o que nela há de além-humano ou sua dinâmica geométrica enérgica sutil porvir. Na hipermoderna escuta acidental, rui em toda parte e sempre só perguntas, urra alto-falantes, carros, restaurantes, eleva dores a ruas, faz-se salas de espera de ginástica de escritório(cubiculização musical), nas orelhas tapadas por fones(autismo strictu senso) kaleidofonias reinscrevem o símbolo no ícone, reinstrumentação do corpo (incorporação sonora-ritual), atemporada, esfacelada, rockjazzraggagorespeedtechtrancehiprapnbglitchbluessamba em óperação contínua da zona aural, modalismo arcaico ressignificado pela descontextualização. A obra de arte total não permitiu à música respiro além da representação sonora, mesmo que já tenhamos ultrapassado os rigores do léxico musical em direção a novas formas de linguagem pós-alfabéticas.

Sendo a música relegada como a própria representação do efêmero, não devemos esperar que ela se mantenha desta ou daquela forma por mais tempo que ela mesmo o demande no devir. Mas a nós está vedado saber da vontade dos sons, das vozes das musas, dos sabores do tempo... a não ser quando estes já tenham passado. Numa questão musicológica: Quais seriam os pressupostos para uma est-ética instantânea? Como nos manteríamos apaixonados pelo que se mantém em fluxo?

Fluxo em que tudo se mistura numa pasta sinestésica ao mesmo tempo kitsch e sagrada, a música é o produto ideal intocável e inquestionável. As imagens quando condensadas se tornam música, a moeda do capitalismo cognitivo da sociedade espectacular. Sem que se saiba quem seu compositor, já que o que se passou a compor foram os próprios ouvintes. Tal música transfigurada em ruído das séries aurais demanda o anonimato em nome da subjetividade coletiva(micropoder da ruidocracia), sem que se distingam o começo de uma ou o fim da outra nesta trilha sonora, pois neste campo filosônico entre música e som jaz o inefável para ambas e para nós: o silêncio que desistimos de ouvir.


agradecimentos a Márcio Black e todo mundo da http://www.dadaradio.net
aos músicos participantes: Daniel Avila, Henrique Iwao e Tom Om.